Regularização de ativos e a atuação da receita federal do Brasil

Regularização de ativos e a atuação da receita federal do Brasil

Em 2016, o governo federal fez aprovar no Congresso Nacional a Lei nº 13.254, que criou o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), que tinha por objetivo regularizar recursos, bem ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País.

Essa lei ficou conhecida como a “Lei da Repatriação” e consistiu em verdadeira anistia aos contribuintes que mantinham recursos no exterior de forma irregular, ou seja, não declarada ao Fisco brasileiro, desde que obtidos de forma lícita.

A Lei nº 13.254 foi regulamentada por meio da Instrução Normativa RFB nº 1627, de 11/03/2016, posteriormente modificada pelas instruções normativas RFB 1654 e 1665, respectivamente datadas de 27/07/2016 e 19/10/2016. A Receita Federal ainda lançou um “Perguntas e Respostas”, a fim de firmar seu entendimento sobre alguns pontos controversos. Esse, portanto, o conjunto normativo vigente quando do período de adesão ao RERCT, que terminou em 31/10/2016.

No entanto, em 2018, a Receita Federal promoveu duas alterações nesse conjunto normativo: a Instrução Normativa RFB nº 1832, de 20/09/2018 e um Ato Declaratório Interpretativo nº 5, de 04/12/2018, que modificou o Perguntas e Respostas. E isso, por si, já um fato grave e que gera insegurança jurídica aos aderentes do RERCT, por se tratar de mudança das regras do jogo 2 (dois) anos após o encerramento do programa.

As mudanças promovidas pela Receita Federal tratam de dois temas sensíveis para o RERCT: (i) a declaração de que os recursos têm origem lícita e o meio de prova dessa declaração; e (ii) a declaração foto ou declaração filme.

Ônus da Prova

Na época de adesão ao RERCT, o entendimento era o de caberia à Receita Federal o ônus da prova, ou seja, a Receita Federal deveria reunir elementos para provar que os recursos teriam origem ilícita e, portanto, o contribuinte teria feito de uma declaração falsa, tendo por consequência a sua exclusão do programa.

A alteração promovida se deu na pergunta 40 do Perguntas e Respostas, com a inclusão de três notas. A redação original afirma o ônus da prova para a Receita Federal: “O contribuinte deve identificar a origem dos bens e declarar que eles têm origem em atividade econômica lícita na Dercat. Não há obrigatoriedade de comprovação. O ônus da prova de demonstrar que as informações são falsas é da RFB.”.

Agora a Receita Federal afirma que os contribuintes não tinham o dever de comprovar a licitude dos recursos apenas no ato de adesão ao RERCT, mas que agora poderá a Receita Federal instaurar procedimento para apurar a licitude dos recursos, mediante intimação do contribuinte para que apresente documentos sobre a origem lícita dos recursos regularizados.

Foto vs. Filme

A Receita Federal foi cunhando ao longo do tempo o entendimento de que o RERCT deveria contemplar o “filme” da evolução patrimonial não declarada do contribuinte, seja pelo período prescricional da exigibilidade do crédito tributário – ou seja, 5 anos – ou desde a constituição do patrimônio não declarado. Essa interpretação da Receita Federal, contudo, se opunha ao previsto na própria Lei 13.254, que em seu art. 4º que determinava a declaração dos recursos de propriedade do contribuinte em 31/12/2014, ou seja, a lei adotou o princípio da “foto”.

Na nova instrução normativa publicada em 2018, a Receita Federal cria um “procedimento de revisão dos valores declarados” em que, se constatado que houve incorreção dos valores dos ativos declarados, a Receita Federal lançará auto de infração para que sejam pagos os tributos e acréscimos legais incidentes, sem que isso implique a exclusão imediata do contribuinte do programa.

Contudo, o contribuinte apenas se aproveitará dos benefícios da exclusão de punibilidade dos crimes anistiados pelo RERCT se efetuar o pagamento do auto de infração no prazo de 30 (trinta) dias após a autuação, sem prejuízo do direito de impugnação. O custo da autuação, porém, será o da legislação do imposto sobre a renda, não aquele do RERCT, fixado em 15% de tributo e 15% de multa sobre o valor declarado.

Efeitos das mudanças

As mudanças normativas promovidas pela Receita Federal nos últimos meses trazem grande insegurança jurídica para os contribuintes que aderiram ao RERCT sob a regras vigentes e conhecidas à época e que serviram de parâmetro para a adesão ao programa.

As notícias na imprensa especializada sobre interpretações e revisões do RERCT por parte da Receita Federal são constantes. Desta vez, no entanto, houve mudança no conjunto normativo, o que pode representar o interesse da Receita Federal de, efetivamente, autuar os contribuintes e, eventualmente, excluí-los do programa.

Nenhuma dessas alterações, no entanto, foi levada ao Poder Judiciário, sendo ainda incipientes as notícias de que alguns contribuintes já foram intimados a apresentar documentos sob o novo regramento. Esse debate deverá ocorrer mais cedo ou mais tarde, sobretudo em razão da violação de princípios como o da não retroatividade das normas jurídicas.

Lembramos, contudo, que a Lei 13.254 criou a obrigação para os contribuintes de manter a integralidade dos documentos referentes aos bens declarados guardados pelo prazo de 5 (cinco) anos, ou seja, até 31/10/2021.

Esses documentos nada mais são do que aqueles já selecionados e utilizados para compor a declaração de adesão ao RERCT: extratos bancários, contratos sociais, escrituras de imóveis, dentre outros, e que já estão em posse dos contribuintes.

A Receita Federal tem, portanto, o direito de intimar os contribuintes para apresentação desses documentos, mas não como forma de verificar a veracidade da declaração de licitude da origem dos bens. Assim, orientamos todos aqueles que aderiram ao RERCT a manter a guarda dos documentos pelo período fixado em lei, sempre com a finalidade de demonstrar a existência daquilo que foi declarado.

De maneira que, na eventualidade de uma intimação da Receita Federal, o contribuinte deve consultar seu advogado a fim de definir a estratégica mais adequada para a defesa de seus interesses, seja na esfera administrativa, seja na Judicial.

William Moreira Filgueiras